“Je me vois, donc je suis”(Claude Cahun)Um auto-retrato não é um auto-retrato. É antes um olhar para si de si, nunca será um olhar-se de fora de si. A verdade é que, para além do exercício de se colocar diante de si, como perante um espelho, o que se produz é sempre uma imagem de si para ser vista. De fora, do exterior, por um outro, que verá o que a sua natureza, a sua condição, o seu conhecimento do outro que ali está, ou não está, já que é apenas uma imagem, lhe permite. Não há janelas abertas, não há chaves de códigos a descriptar, não há explicações, clarificações, cauções, marcas de água que levem ao ser que ali está, ou não – mas o seu reflexo, o seu duplo. A não ser... a não ser que se procure ler a informação inscrita na imagem: uma sombra inesperada à esquerda, reflexos que atravessam a luz e a sombra, a sombra e a luz, um dedo engatilhado, um olhar sólido, mas sem objecto.Indecifrável, aquele duplo, que sou eu sem o ser, que sou ele sem saber bem quem ele é, que não pode ser eu apesar da minha intenção de que o fosse ou que fosse qualquer parte de mim. Aquele duplo, que eu finjo desconhecer e persigo incansavelmente, que mantém as suas distâncias, que se esconde ou se mostra evitando ou procurando o reconhecimento e o julgamento, aquele duplo, que não me olha e nunca saberei se me vê, exponho-o para melhor me ocultar, afastado de mim, aquele duplo, imagem especular do meu rosto, parece que me diz: “Eu sou o outro”(1).
No entanto, de si para si, de si para a imagem de si, haverá um fio invisível que os liga e um abismo que os separa.
(1) Frase que Gerard de Nerval terá escrito directamente sobre o seu retrato (daguerreótipo de Adolphe Legros ou Nadar em 1854)
segunda-feira, 22 de dezembro de 2008
O Outro
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